Docentes apontam o desestímulo, a violência, os baixos salários e a extensa jornada como causas do abandono
Longe vão os tempos em que professor era uma profissão valorizada. Hoje, a carreira está depreciada e sem atrativos. Com isso, muitos dos recém-concursados desistem de ensinar antes mesmo de assumir o cargo. Eles pedem adiamento da posse ou largam a profissão de vez. No Ceará, dos 4 mil aprovados no concurso de 2009 para a rede estadual de ensino, 20% desistiram, segundo o Sindicato dos Professores e Servidores do Estado do Ceará (Apeoc).
Os docentes novatos perdem o interesse por causa das péssimas condições de trabalho (salas lotadas, por exemplo), a violência na sala de aula, os baixos salários, extensa jornada de trabalho, a falta de incentivo ao profissional e as condições físicas das escolas. Um número preocupante dos que assumem abandonam antes de completar o estágio probatório.
O problema vai mais longe porque não são apenas os recém-concursados que desistem ou reduzem a carga horária, mas professores veteranos. Muitos são obrigados a pedir a aposentadoria antecipadamente por causa de problemas de saúde, resultado do grande estresse a que são submetidos.
Conforme o psicólogo Álvaro Rebouças, a profissão exige muitas responsabilidades. “A carga de trabalho é excessiva o que faz com que os profissionais desenvolvam uma reação desencadeada pela rotina de trabalho”. O estresse continuado resulta na síndrome de Burnout, causada por circunstâncias relativas às atividades profissionais, ocasionando sintomas físicos, comportamentais, afetivos e cognitivos. As pessoas passam a ter aversão ao trabalho. “O problema é que o educador tem de responder à demanda dos alunos, dos pais e da instituição. Essa cobrança afeta a saúde”.
A saída apontada por Álvaro Rebouças é que os professores priorizem atividades que dão prazer e que tenham perspectivas de crescimento real para que possam suportar os problemas da carreira.
Para o presidente do sindicato Apeoc, Anísio Melo, a juventude não se sente mais atraída pela profissão. “E os veteranos perdem a magia de ensinar”.
Os baixos salários pesam muito na decisão de deixar a carreira. De acordo com Anísio Melo, os professores novatos do Ceará são os que possuem os mais baixos salários. “Temos um pagamento de R$ 1.400 por 40 horas/aula”. Além disso, eles não tiveram a readequação do plano de cargos e carreiras.
Para o presidente do sindicato, se o Governo do Estado atendesse às reivindicações seria uma forma de estancar a sangria de professores que é um problema grave. “Caso o Governo não sinalize com o plano, o índice de desistências vai aumentar”, alerta.
A consequência é sentida pela educação no Estado que fica comprometida pela falta de docentes. “Estamos caminhando para a possibilidade de um apagão no que tange o número de professores aptos para a sala de aula”, frisa Anísio Melo.
Luciana Matos (nome fictício) era professora concursada da Prefeitura de Fortaleza desde 2001 e desistiu da profissão. Hoje, ela está locada em outro órgão municipal. Luciana foi ameaçada de morte por um aluno de 11 anos de idade numa unidade escolar na Serrinha, um dos bairros mais complicado da Capital em termos de violência.
Saúde abalada
“Não tive mais condições de dar aula. Fiquei com a saúde abalada”. O estrago foi tão grande que a professora conta que teve de tomar remédio controlado. “O nosso papel hoje não é mais de educador, mas de agente prisional. Separamos briga dos estudantes durante a aula”.
Luciana aponta a desestruturação das famílias como causa da violência. “As mães não acham que a educação seja importante. Elas mantém os filhos na escola apenas para receber o Bolsa Família. As crianças convivem com a violência dentro de casa e acabam levando isso para a escola”.
De acordo com a assessora de articulação institucional da Secretaria Municipal de Educação, Rosemary Conti, do concurso realizado em 2009, quando foram aprovadas 3.780 pessoas, apenas 12 pediram exoneração formal. Foram 2.054 convocados e 1.470 lotados. O compromisso com outras atividades e aprovação em outros concursos são os principais fatores que levam esses profissionais a desistirem, segundo a SME.
Dos 3.088 nomeados no concurso do Estado, realizado em 2010, cerca de 30 pediram exoneração e tiveram como justificativa aprovação em concursos federais, que gerou incompatibilidade de carga horária de trabalho, dedicação exclusiva e distâncias geográficas. Para substituir as exonerações solicitadas, a Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc) convocou mais 117 aprovados no último.
ENTREVISTA - *Inocêncio Uchoa
O respeito à dignidade pessoal e profissional tem de acontecer
Quais os direitos do professor?
O professor tem o direito de ser respeitado em sua dignidade pessoal e profissional. Em todos os casos, ele tem o direito de recorrer à Justiça para buscar reparações materiais e morais. Sendo pública a escola, a ação seria contra o poder público (União, Estado ou Município).
Quando se constitui um assédio moral?
O assédio moral consiste na exposição do trabalhador a situações intermitentemente vexatórias, com o fito de desestimulá-lo no trabalho, às vezes, até forçando-o a pedir demissão. Alterações unilaterais do contrato de trabalho, impondo cargas horárias excessivas, trabalhos adicionais, tarefas anteriormente não previstas, exposições a riscos, solicitações de tarefas impossíveis e exposição ao estresse podem configurar assédio moral.
E sobre a violência praticada pelo aluno contra o professor?
A escola deve zelar pela segurança não só do professor, mas de todos os seus funcionários e alunos. O professor não pode ser moralmente constrangido em sua honra, muito menos em sua segurança física. Havendo violência moral ou física praticada dentro da escola, o aluno (se maior de 18 anos), os pais (se o aluno for menor de 16 anos) responderão pelo dano, sem prejuízo da responsabilização da escola.
*Advogado e juiz aposentado
Problemas
Insegurança é fator crucial na decisão pelo abandono
Na semana em que um adolescente foi morto no colégio Polivalente Modelo de Fortaleza, vem à tona uma discussão sobre a insegurança nas escolas, problema que gera consequências graves para a educação no Ceará. A violência que impera em muitas escolas de Fortaleza é, por exemplo, fator determinante para que muitos profissionais da educação desistam de seguir a carreira.
O professor Eduardo Moreira (nome fictício) foi vítima do vandalismo de dois estudantes que secaram os pneus de seu carro. “Somos tratados com desdém e até agredidos verbal e fisicamente”, afirma. Ele começou a lecionar em novembro de 2003, mas o desinteresse dos alunos pela educação faz com que ele pense em mudar de profissão.
“Isso não porque não goste do que faço, mas por perceber que o quadro da educação em nosso País não me inspira segurança. Estamos sobrecarregados, sem apoio, desvalorizados e mal remunerados e devido a isso há cada vez menos profissionais que optem por essa labuta”.
Marisa Santos (nome fictício) entrou no último concurso da Prefeitura mas tem vivido as piores situações possíveis como professora. Ela conta que vários dos seus colegas largaram a carreira. “Já vi casos de professoras que tiveram os xingamentos ‘vadia’ e ‘vagabunda’ riscados em seus carros”, relata.
Além disso, Marisa ainda não recebeu o pagamento desde que assumiu o cargo, em dezembro de 2010. “Deparei-me com condições precárias das escolas com salas superlotadas. Pensei em desistir e ainda penso. Fiquei decepcionada. Cheguei a implorar para receber o meu primeiro salário”.
No colégio Polivalente Modelo de Fortaleza, muitos professores já desistiram de ensinar, apesar da boa estrutura física e da disciplina dos alunos, como informa a coordenadora escolar, Renata Castro. Um educador preferiu trabalhar em uma usina de urânio na Bahia a ter de enfrentar a atividade no colégio Polivalente.
Renata afirma que vários colegas já seguiram outros horizontes. “A violência é um problema social. É o fato de a escola estar inserida num local problemático. Aqui enfrentamos isso porque o José Walter é um bairro violento”, afirma.
As professoras do Colégio Polivalente dizem que pensam em desistir, mas acreditam que ainda vale a pena ensinar. “A gente quer brigar por nossos direitos e pela valorização da profissão”, revela a professora de Educação Física, Mabelle Mota.
Mudança de estratégia
Para evitar tratamentos grosseiros dos alunos, o professor de Geografia, Jackson Mendonça, resolveu se aproximar deles. “O trabalho deve ser humanizado. A sala de aula já um ambiente tenso, então não posso bater de frente com os estudantes. Dessa maneira, eles veem no professor um amigo e não uma figura autoritária e se desarmam. É uma parceria”.
Jackson joga bola com seus alunos e criou o “Café Geográfico”, evento que premia os melhores da disciplina e é comemorado com um café da manhã organizado pelos estudantes. “Eles adoram e participam”. Mendonça diz que está satisfeito com a carreira.
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
É difícil lidar com alunos
A maior dificuldade enfrentada pelos professores é lidar com os alunos. É difícil controlar o ambiente da sala de aula, sobretudo quando há um excesso de estudantes com um perfil de aluno de escola pública que vem de uma situação social complicada. Este tipo de estudante sofre violência em casa e está acostumado com essa linguagem, por isso acabam agredindo os professores.
Os educadores se sentem sós. O apoio dado pela equipe pedagógica, quando existe, é pequeno. Ela está preocupada com as questões burocráticas da escola. Uma queixa grande dos professores é que, muitas vezes, o curso de formação em pedagogia é muito teórico. Talvez eles chegassem nas escolas mais preparados para enfrentar certas situações se houvesse aulas práticas. Os pais de estudantes de instituições públicas têm uma relação de ausência com as escolas. Muitos alunos relatam o consumo de drogas e bebidas pelos pais que não entendem para que serve a educação. Eles veem a unidade escolar como um depósito de aluno que são atraídos pela merenda escolar e pelo Bolsa Família. Isso tudo é um pouco resultado da universalização do ensino que obriga as pessoas estarem nas escolas. A consequência é que aumentou o universo de crianças sem apoio psíquico dentro das instituições de ensino. Isso dificulta o processo educacional.
Mais do que a questão salarial, são os conflitos sociais que levam muitos professores a desistirem da profissão. Esse é um problema maior que o professor. É de desestruturação familiar. A escola em tempo integral é uma saída a medida que a criança vai ter outro ponto de referência, que não a família. Além disso, o investimento no professor e na aproximação dos pais com a escola são possíveis soluções. Está cada vez mais difícil encontrar pessoas que queiram ensinar. O Governo precisa incentivar o gosto pela sala de aula.
Marco Aurélio de Patrício Ribeiro
Mestre em Educação
Lina Moscoso
Repórter
Fonte: Diário do Nordeste
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